As novas faces do samba paulista
por: THIAGO MENDONÇA
A tarde chuvosa de terça-feira não impede a descontração do encontro, que começa com atraso devido aos alagamentos. Na mesa do bar estão representantes de algumas das comunidades de samba de São Paulo, movimento que tomou conta das periferias da cidade. Demonstram certo mau-humor quando a fotógrafa pede para posarem: “Vai ficar parecendo grupo de pagode”. Presentes Selito SD, do Projeto Nosso Samba de Osasco, T.Kaçula, da Rua do Samba Paulista, Babalu, do Samba da Laje, Marquinhos Dikuã, do Samba de Todos os Tempos, Marquinhos Jaca, da Vai Vai, e Caio Prado, ex-projeto Nosso Samba. Adriana Moreira, uma das mais belas vozes desta geração de sambistas, avisa que ela e Douglas Germano não conseguirão vir para a foto por conta da chuva. “Pô, ela ia salvar a foto”, brinca Selito. Entre sambas e risadas, eles contam a história do novo samba paulista.
O novo samba paulista
Nos anos 90 surgiram os primeiros sinais de saturação do pagode comercial. Ao mesmo tempo, as escolas de samba vinham deixando de agregar compositores para se tornarem um triste pastiche dos desfiles cariocas. Não havia mais espaços para os compositores. Alguns anunciaram a morte do samba, mas ele sobreviveu tímida e desorganizadamente nos quintais e botecos da periferia paulistana. Até que, em 1997, aconteceu o Mutirão do samba, um encontro de sambistas, visando o culto ao samba de raiz, a formação de novos talentos e a exibição de novos sambas. Douglas Germano, um dos fundadores, via ali um estímulo à criação. “O Mutirão nasceu com a vontade de registrar nossa própria história. Neste grupo de 32 pessoas havia compositores, percussionistas de escola de samba e de botequim, instrumentistas, cantores e cantoras. Todos amigos há muito tempo.”
Surgia algo novo em São Paulo. “Uma roda com composições próprias, que era ao mesmo tempo um encontro e um espaço de formação”, lembra Adriana Moreira. O mutirão durou três anos e dali saiu toda uma nova geração de compositores e músicos, alguns com trabalhos autorais, como Adriana Moreira, Douglas Germano e Kiko Dinucci.
Movimentos de samba
A experiência do Mutirão serviu como inspiração para a formação de uma série de novas experiências. Projeto Nosso Samba, Samba da Vela, Samba Autêntico, Samba da Laje, Samba de Todos os Tempos, entre dezenas de comunidades. “Houve aquela movimentação, surgiu uma série desses núcleos, a partir do samba tradicional”, conta Selito. “Ninguém aguentava mais aquela mesmice dos anos 90”, diz Kaçula, “a vulgarização das letras a repetição incessante das fórmulas de sucesso. O mutirão trouxe um jeito novo, a possibilidade de mostrar nossas composições e trocar experiências.” As comunidades são um culto às batucadas, uma retomada a partir da tradição, que gerou uma nova sonoridade paulistana.
Em pé: Selito SD, Marquinhos Jaca e Babalu. Sentados: Marqunho Dikuã, T. Kaçula e Caio Prado.
Identidade paulistana
O movimento desencadeou também a busca de um samba com sotaque próprio, livre do samba do Rio. Caio Prado identifica a idéia de morte do samba com o culto excessivo ao passado do samba carioca. “Não surgia mais nada original. Queríamos um samba com idéias nossas, literatura nossa, que falasse do nosso cotidiano.”
O novo samba paulistano procura ser a crônica de seu tempo e espaço. Como observa Marquinhos Jaca, “tem gente que usa roupa de bamba da antiga, fica paranóico, agindo como se vivesse em 1954. Não vivemos o que eles viveram, não sofremos o que eles sofreram, não somos do morro. Nosso samba tem que retratar nossa realidade.”
Mercado
Marquinho Dikuã acredita que as comunidades possam abrir uma nova possibilidade para sua geração de sambistas. “Hoje há em São Paulo 30, 40 comunidades de samba que reúnem por ano 300 a 400 mil pessoas. Temos um público. Se nos organizarmos, podemos ter muitas conquistas.” Caio concorda com Marquinho, mas coloca um porém: “A gente conseguiu se reunir para produzir, mas por algum motivo essa produção não consegue ser escoada. A pergunta é como quebrar a barreira e cair nas graças do povo.”
Esta preocupação levou a um novo boom na produção de discos. T.Kaçula, após produzir 12 discos sobre as velhas guardas paulistas, prepara seu segundo disco solo. Caio Prado prepara o primeiro disco “gospel” de samba de raiz. Douglas Germano e Marquinhos Jaca estão com disco pronto e aguardam o melhor momento para lançá-los. Adriana Moreira e Marquinho Dikuã preparam o segundo trabalho. Selito, mais avesso à indústria fonográfica, tem um projeto de registro de suas parcerias para este ano, mas mostra-se descrente sobre as possibilidades comerciais deste trabalho. Com todas as dificuldades, o sonho de acontecer no universo musical resiste. “De qualquer maneira, nunca se falou tanto de samba em São Paulo como agora. Muitos compositores, instrumentistas, cantores e cantoras aparecendo, cantando samba, estudando. Isso é muito bom” diz Douglas Germano.
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